quinta-feira, 27 de março de 2008

Sobre carros e chuva

Certa vez, voltando para casa, ouvi uma senhora comentar “São Luís não tem carro velho”. E é verdade. São Luís conta hoje com uma frota de mais de 205 mil veículos, o que representa aproximadamente um veículo para cada 5 pessoas do município. Tamanha frota permite muitos benefícios a seus usuários, porém traz vários problemas associados, de cunho social e ambiental.
Entre os problemas sociais mais óbvios, podem ser citados trânsitos caóticos e congestionamentos, decorrentes da não-realização de obras de infra-estrutura das vias urbanas no mesmo ritmo do crescimento do número de carros; estresse dos usuários de trânsito (e neste grupo incluem-se os pedestres, ciclistas e motociclistas); e o inchaço no sistema hospitalar, em virtude do aumento no número de acidentes de trânsito.
Entre os problemas ambientais, tem-se, sobretudo, a poluição atmosférica. Não estão sendo desconsideradas a poluição sonora, do solo (pois lixo é jogado pelas janelas de ônibus e carros, não equipados com lixeiras) e até visual (afinal, congestionamentos não são belos), mas a poluição atmosférica é, de longe, a principal conseqüência nociva do aumento do número de veículos de uma região.
No ano de 2006, uma dissertação do mestrado em sustentabilidade de ecossistemas (UFMA) apresentou, pela primeira vez, dados sobre a química atmosférica de São Luís, através da análise da chuva de dois pontos do município, coletados durante um ano. Para fins de comparação, também foi coletada a chuva que caía em Panaquatira (município de São José de Ribamar), pois este local, pelas condições meteorológicas do Estado, receberia chuvas predominantemente vindas do Oceano Atlântico, ou seja, livre das poluições urbana e industrial da ilha.
O valor de pH tido como parâmetro para a acidez da chuva é 5,6. Valores muito abaixo disso representam chuvas ácidas, como as que ocorrem em São Paulo (entre 4,5 e 5,0). Todavia, processos naturais (como a presença de manguezais, por exemplo) podem “baixar” o valor tido como parâmetro, deixando-o por volta de 5,0. Então seriam consideradas ácidas as chuvas com valores abaixo de 5,0 nestas condições. Pois bem: 47% das amostras coletadas em São Luís apresentaram valores abaixo de 5,6, mesmo em Panaquatira. Todavia, ao se considerar o novo valor (5,0), já que o Maranhão é rico em Manguezais, “somente” 16% das amostras apresentaram valores considerados ácidos, indicando que os processos urbanos e industriais de São Luís podem estar afetando a química atmosférica local.
Chuvas ácidas, de uma forma geral, são causadas pela presença de ácidos nítrico e sulfúrico na atmosfera, oriundos principalmente da queima de combustíveis fósseis (como a gasolina, por exemplo). Como conseqüência, podem causar a acidificação das águas superficiais e da vegetação, bem como diminuir lentamente a fertilidade dos solos e matar espécies sensíveis.
Embora primeiros indícios tenham surgido na dissertação já mencionada, ainda falta muita coisa a ser descoberta e trabalhada. São Luís ainda não conta com um número adequado de cientistas na área para compreender toda a dinâmica atmosférica local. E já tem problemas semelhantes aos de São Paulo. Portanto, é preciso agir. A presença e o acúmulo de diversas substâncias nocivas à vida na atmosfera trazem a necessidade de reflexão e de ações de prevenção capazes de manter a qualidade do ar. Consequentemente, além do esforço de se primar pelos diversos equilíbrios estabelecidos naturalmente, deve-se reduzir a poluição de todas as formas possíveis, de modo a se diminuir os impactos da atividade humana sobre o meio.

Sobre carros e chuva (parte 2)

Mais de 205 mil veículos em São Luís. “Um veículo para cada cinco habitantes”, uma frase que já está se tornando bastante conhecida, principalmente quando lembramos dos muitos minutos (às vezes muitas horas) gastos no trânsito de nossa cidade.
No domingo passado, O Imparcial publicou matéria sobre uma futura expansão da malha viária de São Luís, com a abertura de novas ruas e avenidas para comportar tantos veículos. Bom para o seu trânsito, que se desafoga por alguns anos, porém péssimo para os seus habitantes, mesmo os usuários dos veículos. Vejamos por que.
Vivemos em uma ilha. Naturalmente, nosso “espaço utilizável” é bem mais reduzido que o de outras cidades, e este espaço deve ser dividido entre habitação, lazer, comércio, indústrias e trânsito, como em qualquer lugar. É claro que São Luís ainda tem muita área livre, mas por quanto tempo? O crescimento populacional demandará, primeiramente, mais áreas para habitação, exigindo posteriormente um aumento do número de ruas e avenidas que possam suprir as necessidades de deslocamento das pessoas. Acontece que tanto a primeira quanto a segunda situação reduzirão as áreas naturais da ilha, necessárias para a infiltração de parte da chuva que cai por aqui, através da impermeabilização do solo.
Ora, o caminho natural da água da chuva que não infiltra é a evaporação (em menor escala) ou o escoamento (maior parte do volume da chuva). Então, quanto mais áreas impermeabilizadas nós tivermos, maiores serão as taxas de evaporação (que aumentam o calor aparente) e de escoamento (que trazem diversos problemas associados, como deslizamentos, inundações, entupimento da rede de esgotos e doenças, para citar alguns).
Portanto, planejar o que fazer com nossas áreas livres exige pensar em muito mais do que o número de veículos que circulam pela cidade. Um planejamento verdadeiramente sustentável requer também investir em nossas áreas naturais como centros de visitação, lazer, ou simplesmente manutenção da biodiversidade local; requer investir em ciclovias, que além de oferecerem uma opção para um transporte limpo, favorecem a prática de esportes e uma outra visão da cidade (menos apressada ou estressada); requer investir na melhoria dos transportes coletivos, que diminuem a emissão individual de CO2 atmosférico de cada usuário de veículo automotor; requer investir em segurança pública, para que pequenos trechos possam ser percorridos em uma caminhada em vez de dentro de um carro.
Enfim, um planejamento sustentável deve abranger tanto as necessidades imediatas quanto as necessidades futuras e exige uma visão do papel ecológico que nossa pequena ilha desempenha nos processos globais. Pode ser verdade que São Luís tenha muitos veículos e esteja precisando de novas avenidas, mas também pode ser verdade que São Luís tenha poucas avenidas e esteja precisando de menos veículos.