quinta-feira, 27 de março de 2008

Sobre carros e chuva (parte 2)

Mais de 205 mil veículos em São Luís. “Um veículo para cada cinco habitantes”, uma frase que já está se tornando bastante conhecida, principalmente quando lembramos dos muitos minutos (às vezes muitas horas) gastos no trânsito de nossa cidade.
No domingo passado, O Imparcial publicou matéria sobre uma futura expansão da malha viária de São Luís, com a abertura de novas ruas e avenidas para comportar tantos veículos. Bom para o seu trânsito, que se desafoga por alguns anos, porém péssimo para os seus habitantes, mesmo os usuários dos veículos. Vejamos por que.
Vivemos em uma ilha. Naturalmente, nosso “espaço utilizável” é bem mais reduzido que o de outras cidades, e este espaço deve ser dividido entre habitação, lazer, comércio, indústrias e trânsito, como em qualquer lugar. É claro que São Luís ainda tem muita área livre, mas por quanto tempo? O crescimento populacional demandará, primeiramente, mais áreas para habitação, exigindo posteriormente um aumento do número de ruas e avenidas que possam suprir as necessidades de deslocamento das pessoas. Acontece que tanto a primeira quanto a segunda situação reduzirão as áreas naturais da ilha, necessárias para a infiltração de parte da chuva que cai por aqui, através da impermeabilização do solo.
Ora, o caminho natural da água da chuva que não infiltra é a evaporação (em menor escala) ou o escoamento (maior parte do volume da chuva). Então, quanto mais áreas impermeabilizadas nós tivermos, maiores serão as taxas de evaporação (que aumentam o calor aparente) e de escoamento (que trazem diversos problemas associados, como deslizamentos, inundações, entupimento da rede de esgotos e doenças, para citar alguns).
Portanto, planejar o que fazer com nossas áreas livres exige pensar em muito mais do que o número de veículos que circulam pela cidade. Um planejamento verdadeiramente sustentável requer também investir em nossas áreas naturais como centros de visitação, lazer, ou simplesmente manutenção da biodiversidade local; requer investir em ciclovias, que além de oferecerem uma opção para um transporte limpo, favorecem a prática de esportes e uma outra visão da cidade (menos apressada ou estressada); requer investir na melhoria dos transportes coletivos, que diminuem a emissão individual de CO2 atmosférico de cada usuário de veículo automotor; requer investir em segurança pública, para que pequenos trechos possam ser percorridos em uma caminhada em vez de dentro de um carro.
Enfim, um planejamento sustentável deve abranger tanto as necessidades imediatas quanto as necessidades futuras e exige uma visão do papel ecológico que nossa pequena ilha desempenha nos processos globais. Pode ser verdade que São Luís tenha muitos veículos e esteja precisando de novas avenidas, mas também pode ser verdade que São Luís tenha poucas avenidas e esteja precisando de menos veículos.

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